Combustível sustentável de aviação (SAF) e polinizadores nativos que não produzem mel

Combustível sustentável de aviação (SAF) e polinizadores nativos que não produzem mel

Mongabay - 11/07/2025

Brasil aposta na macaúba para produzir diesel renovável e combustível para aviação

 

  • A macaúba, uma palmeira encontrada em todas as Américas, é apontada como nova fonte de biocombustíveis para descarbonizar o transporte e a aviação. A palmeira produz um óleo que, depois de refinado, pode ser transformado em diesel renovável e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).
  • Incentivadas pelo hype e por bilhões de dólares de investimentos, empresas planejam plantar centenas de milhares de hectares em terras degradadas por todo o Brasil. Algumas também estão investindo em grandes refinarias. Esta corrida do ouro da macaúba foi impulsionada por grandes incentivos financeiros do governo federal.
  • Os possíveis atributos sustentáveis da macaúba são semelhantes aos do pinhão-manso, matéria-prima promissora que teve sua ascensão e queda há uma década. A macaúba está espalhada pelas Américas, mas não é uma planta domesticada. Só não se sabe se plantações dela podem atingir a produção e a escala necessárias para ajudar a suprir a demanda de energia sustentável do mundo.
  • Os proponentes da ideia afirmam que ela pode ser produzida de forma sustentável sem causar mudanças de uso do solo ou desmatamento. Mas outros analistas dizem que isso depende muito de como o boom da macaúba acontecerá no Brasil e em outras partes do mundo.

A macaúba, também conhecida como coco-de-espinho (Acrocomia aculeata), é uma palmeira que está presente em todas as Américas. Agora, uma iniciativa do governo federal para incentivar a descarbonização dos setores de transporte e aviação levou várias empresas a se interessarem pelo seu uso como matéria-prima para a produção de biocombustíveis líquidos e combustível sustentável para a aviação (SAF) no Brasil.

No papel, a macaúba parece ser uma planta milagrosa: ela se dá bem em terras degradadas e improdutivas, sem competir com cultivos para alimentação e sem causar mais desmatamento; nos testes, rende de oito a dez vezes mais do que a soja, dependendo da fonte da informação. A soja já é usada para abastecer o vasto setor de biocombustíveis do Brasil mas, assim como a cana-de-açúcar, está ligada a danos ambientais como desmatamento e emissões de CO2, além de problemas de justiça ambiental.

De acordo com os proponentes da ideia, a macaúba promete evitar esses problemas, e já é apelidada de “ouro verde” e “óleo de palma amigo da floresta”.

Mas existem também riscos ambientais e financeiros significativos, dizem os críticos. A propaganda em torno da macaúba se assemelha muito à onda criada em torno do pinhão-manso, uma suposta fonte de biocombustível apoiada por investidores e empreendedores, cuja história serve de alerta.

Nos anos 2000, o pinhã0-manso (Jatropha curcas) – também considerado uma espécie de “ouro verde” – preenchia muitos dos mesmos requisitos que a macaúba, e sua ascensão gerou dezenas de projetos de plantio para geração de energia nas regiões tropicais. No entanto, esses projetos culminaram num gigantesco fracasso, pois o cultivo da planta era muito mais difícil do que se propagandeava. A iniciativa custou milhões de dólares e fez proliferar acusações de grilagem, mudanças de uso do solo e perda de biodiversidade em países tropicais.

As opiniões divergem quanto a capacidade da macaúba de ser uma fonte sustentável para a produção de biocombustíveis. Para Almuth Ernsting, pesquisador da ONG Biofuelswatch, o burburinho em torno da palmeira parece uma “versão menor” do hype do pinhão-manso.

Macaúba palm plantation

A macaúba e sua suposta viabilidade para a produção de biocombustível está ganhando fama entre grandes investidores privados e incentivos governamentais no Brasil. Foto cedida por Acelen Renewables.

Combustível milagroso ou outro pinhão-manso?

Em tese, a macaúba tem todas as características de uma importante fonte de biocombustível, e não apenas isso. Especialistas apontam que o óleo e outras partes da planta podem ser utilizados numa ampla variedade de produtos, desde alimentos até cosméticos. Alguns pesquisadores dizem que ela pode até mesmo servir de base para uma bioeconomia forte, sustentando pequenos agricultores no processo e ajudando a mitigar as mudanças climáticas. Tais alegações, contudo, também foram feitas em relação ao pinhão-manso.

Uma coisa é certa: o Brasil está repleto de terras agrícolas degradadas, sobretudo de pastos abandonados e solos exauridos pelas monoculturas. Quatro bilhões de litros de combustível sustentável para a aviação poderiam ser produzidos por ano se apenas 10 mil quilômetros quadrados de terras fossem transformados em plantações de macaúba, diz Ricardo Fujii, especialista em conservação da WWF Brasil. “Isso equivale a 0,1% do território brasileiro.”

Por enquanto, o entusiasmo e os investimentos na macaúba estão restritos ao Brasil e ao vizinho Paraguai. Pelo menos três empresas até agora estão planejando explorar seu potencial. A iniciativa é apoiada por bilhões de dólares de investimentos privados, além de incentivos ambientais do governo, vindos inclusive da recém-aprovada Lei do Combustível do Futuro. O crescimento permitirá que o o Brasil “lidere a maior revolução energética do mundo”, de acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Acelen Renewables, subsidiária da Mubadala Capital, com sede em Dubai, planeja plantar 1.800 quilômetros quadrados de macaúba no Brasil, e produzir seus primeiros combustíveis a partir da macaúba em 2027 ou 2028, transformando a palmeira em diesel renovável e SAF. O diesel renovável (RD), geralmente produzido em refinarias de petróleo adaptadas, tem a vantagem de ser um combustível “drop in”, ou “de inserção”, capaz de substituir o diesel fóssil sem qualquer mudança nos motores ou turbinas a diesel existentes.

Ambientalistas, contudo, têm levantado preocupações em relação ao diesel renovável, afirmando que as alegações da indústria sobre as emissões de carbono ao longo do ciclo de vida são muitas vezes exageradas e que, quando a utilização do RD ganhar escala, ultrapassará rapidamente a disponibilidade de matérias-primas existentes, levando a uma explosão na expansão das culturas energéticas e aumentando o risco de uma nova onda de desmatamento e outros danos ambientais nos trópicos.

A Acelen já começou a plantar a macaúba clonada e geneticamente modificada numa fazenda-modelo na Bahia, diz o CEO da companhia, Marcelo Cordaro. “Será um plantio gradual, ano a ano, até atingirmos 180 mil hectares de pastagens degradadas nos estados de Minas Gerais e Bahia.” Minas Gerais abriga a intersecção de três importantes biomas, enquanto a Bahia abrange parte do Cerrado, um bioma já bastante reduzido pelo agronegócio, especialmente pela produção de soja.

A empresa brasileira-alemã Inocas planeja plantar cerca de 500 quilômetros quadrados de macaúba até 2030, usando pastagens degradadas. A empresa afirma também que vai colaborar com pequenos agricultores e apoiar a “agricultura regenerativa”.

Experimental planting of macaúba seedlings by Acelen took place in Piracicaba, São Paulo state, in April 2024.

Plantio experimental de mudas de macaúba pela Acelen, em Piracicaba (SP), em abril de 2024. A companhia afirma que a macaúba só será cultivada em pastagens degradadas. Foto cedida pela Acelen Renewables.

Promessa de expansão – apesar de dúvidas e restrições

Se os esforços iniciais resultarem em combustível e lucro, a macaúba pode se espalhar para outros países e continentes. A Acelen diz que são necessários mais estudos para identificar outros locais adequados ao plantio além do Brasil, “mas o cultivo em outros países pode ser considerado a médio e longo prazo”, diz Cordaro.

Um artigo publicado este ano avaliou locais com clima apropriado para o crescimento da macaúba. Ele destacou o Sudeste Asiático e, em especial, a Indonésia, como locais com grande potencial para o plantio da palmeira. Estudos similares que demonstravam a capacidade de adaptação do pinhão-manso serviram de base para sua rápida expansão e subsequente fracasso.

Simone Palma Favaro, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), acredita que, por ser um fruto nativo do Brasil, a macaúba não seguirá o mesmo caminho que o pinhão-manso no país.

Mas isso não significa que o sucesso vai se enraizar em outros lugares. Na visão dela, o estudo global falhou em citar fatores essenciais para o crescimento da macaúba, como requisitos de solo. “Além disso, existe a necessidade de polinizadores, sem os quais não há formação dos frutos e, no caso da macaúba, há insetos muito específicos que acredito não existir em outros países.”

Como o pinhão-manso e o óleo de palma, a macaúba exige muito trabalho braçal; atualmente, a colheita dos cachos repletos dos frutos ricos em óleo é feita manualmente. Pesquisadores trabalham para resolver esse desafio por meio da mecanização, mas até lá, muita mão-de-obra agrícola será necessária para o cultivo dar certo.

Outro motivo de preocupação é o solo. O fato de a planta conseguir crescer em solos degradados não significa que ela é capaz de se desenvolver bem e ter uma boa produção; esta é uma das principais lições da experiência com o pinhão-manso, diz Ernsting. A Acelen acrescenta que as plantações ainda precisam usar fertilizantes minerais “tradicionais”, por exemplo, para fazer com que as palmeiras produzam ano após ano.

Jatropha kernels. In the 2000s jatropha was hailed as a miracle green energy crop.

Sementes de pinhão-manso. Nos anos 2000, a espécie foi alardeada como uma matéria-prima milagrosa para a produção de biocombustível. Não demorou muito para que essa bolha econômica estourasse, deixando um rastro de danos ambientais significativos pelos trópicos. Foto: Jeff Walker/CIFOR via Flickr.

Apesar de promissora, existe o temor de que a macaúba possa causar o mesmo impacto negativo de mudanças de uso do solo provocado pelo pinhã0-manso e outras matérias-primas de biocombustíveis, especialmente no Cerrado, bioma já ameaçado e cuja maior parte não esta sob proteção. Em 2016, no início do hype da macaúba, pesquisadores já alertavam para essa possibilidade ao descobrir que a maior parte das áreas apropriadas para o plantio coincidia com áreas de “alto valor de conservação”. As mudanças climáticas também podem restringir as áreas adequadas para o plantio da macaúba no futuro próximo.

Críticos também temem que o diesel renovável e o combustível sustentável de aviação não cumpram a promessa de serem combustíveis sustentáveis depois que sua produção ganhar escala, por causa de uma contagem de carbono duvidosa, da necessidade de buscar matérias-primas de maior intensidade de carbono e do desmatamento indireto, fatores que limitariam sua eficiência como solução climática.

Ernsting enfatiza que o óleo de palma – um dos principais motores do desmatamento nos trópicos – é o óleo vegetal que exige a menor área de terra por tonelada. “A alta produtividade e a adaptabilidade do óleo de palma africano, aliada à demanda muito alta e insustentável por óleos vegetais, especialmente para a produção de biocombustíveis, são os responsáveis pelas mudanças de uso do solo e pela grilagem em grande escala motivadas pelas plantações de óleo de palma”, diz ela. “A ideia de que outra variedade produtora de óleo possa ajudar a atender essa demanda insustentável e sempre crescente sem causar tanto dano é simplesmente absurda.”

Contudo, outros, incluindo Fujii, acreditam que a adoção de melhores práticas, como a combinação da macaúba com pastagens e revezamento de culturas, pode ser um caminho viável. “Em tese, é possível produzir um biocombustível sustentável a partir da macaúba que cause não só a redução das emissões, mas também melhore a produção de alimentos e proteja a biodiversidade”, diz Fujii. Contudo, ele concorda que embora o risco de desmatamento ou degradação seja menor, ele ainda existe, “especialmente considerando que o Brasil tem um péssimo histórico na proteção de seus habitats naturais.”

“O Brasil tem muitas áreas degradadas, mas é o mesmo com qualquer biocombustível”, diz Ana Carolina Oliveira Fiorini, pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela liderou um artigo de 2022 sobre o potencial de descarbonização e desmatamento da macaúba e outras matérias-primas para geração de energia no Brasil. “Para que seja sustentável, é preciso assegurar que ela seja plantada em áreas realmente degradadas e não concorra com o plantio de alimentos nem se expanda para áreas cobertas por vegetação natural”, diz ela.

Acelen’s AgriPark.

O AgriPark da Acelen. De acordo com a empresa, o local terá capacidade para germinar 1,7 milhões de sementes por mês e produzir 10,5 milhões de mudas por ano. A companhia almeja produzir 1 bilhão de litros de combustíveis renováveis por ano usando o fruto da macaúba. Foto cedida por Acelen Renewables.

Será que a macaúba decola?

De qualquer forma, levará tempo para que se conheça o potencial da macaúba. Isto porque são necessários até seis anos para que as sementes plantadas hoje cresçam e as plantas atinjam a maturidade. Além disso, a palmeira ainda precisa ser totalmente domesticada, o que significa que a alta produção esperada não está garantida.

Pesquisadores e empresas planejam colher sementes das plantas nativas mais promissoras e plantá-las, criando cultivares que possam ser facilmente reproduzidos. Mas o trabalho genético – de selecionar plantas de alta produção – ainda é um desafio em andamento.

Simone acredita que é possível alcançar o potencial máximo da palmeira, quer seja para biocombustíveis ou outros setores. O laboratório em que ela trabalha pesquisou o pinhão-manso durante sua rápida ascensão e queda, e ela acredita que a macaúba é diferente. Ela observa que a maior parte do trabalho científico de campo que faltou ao pinhão-manso está sendo feito com a palmeira brasileira. Na visão de Fujii, “a comercialização numa escala econômica” pode levar até dez anos para se desenvolver.

Sergey Paltsev, vice-diretor do Centro para Estratégia e Ciência Sustentável do MIT, foi coautor de um relatório sobre os caminhos para a descarbonização na América Latina, publicado em 2024. O documento cita apenas brevemente a macaúba, e conclui que a palmeira tem potencial, mas ainda é muito cedo para avaliar.

Acrocomia aculeata, one variety of macaúba palm that could be exploited at large scale to produce biofuels, including renewable diesel and SAFs (sustainable aviation fuels).

Macaúbas plantadas em Brasília (DF). Foto: Mauricio Mercadante via Flickr

“Como ocorre com qualquer nova tecnologia, existe o risco de que ela não tenha o resultado esperado”, diz Paltsev. “Precisamos de todas as opções sustentáveis para acelerar a descarbonização, e a macaúba pode ser uma contribuição significativa para esses esforços. Precisamos apenas explorar mais e entender melhor seu desempenho real.”

O cenário está criado para uma possível expansão das plantações de macaúba pelo Brasil e talvez por outros países e continentes. Só o tempo dirá se ela será viável ou se será um grande fracasso, como o pinhão-manso. E este grande experimento vem com um risco: a ameaça de mudanças no uso do solo, especialmente de mais desmatamento. Além disso, o emprego da palmeira na produção de biocombustíveis ainda precisa ser testado para comprovar a promessa de corte de emissões.

Até que as plantas deem frutos, a Acelen planeja produzir seus biocombustíveis a partir de matérias-primas já estabelecidas, como a soja. “A perspectiva é que estejamos produzindo 100% a partir da macaúba no fim desta década”, diz Cordaro.

Imagem do banner: Óleos extraídos dos frutos da macaúba podem ser usados numa variedade de processos industriais, inclusive na produção de alimentos, cosméticos e farmacêuticos. Acredita-se que ela pode servir de matéria-prima para gerar grandes quantidades de biocombustíveis, principalmente diesel renovável e combustível sustentável para a aviação (SAF). Foto cedida por Acelen Renewables.

Fonte: https://brasil.mongabay.com/2025/07/brazil-aposta-na-macauba-para-produzir-diesel-renovavel-e-combustivel-para-aviacao/

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